quinta-feira, 14 de maio de 2015

Sem motivos pra chorar.


Conheci o prazer de comemorar um título em agosto de 1995, e a aprendizagem foi em dose dupla, com um Paulistão e uma Copa do Brasil com poucos dias de intervalo. Recordo-me mais do Paulistão, assistindo o jogo em casa e o comemorando na calçada da frente. Aquele caminhão de feira repleto de corintianos que parou na rua de casa me embasbacou e envolveu para toda a vida.
Na mesma medida, conheci os desprazeres de uma eliminação no ano seguinte, com aquele 3x0 (ou 3x1, não lembro) para o Grêmio no Pacaembu, pela Libertadores da América. Ainda não entendia o que era a América, quem eram os Libertadores desta e tampouco o significado daquele campeonato. Entendi que o Corinthians perdeu feio e que estávamos fora, o que me fez chorar. Alguns dias depois meu pai me viu usando uma meia do Corinthians, e repetia para mim: “vexame, timinho sem vergonha”, e como isso me marcou.
Me recordo do Paulistão de 1998, perdido para o São Paulo, em que no dia seguinte fui para o treino do time de futebol da escola com um lenço do Corinthians na cabeça. Os rivais riam de mim no treino, mas não tirei o lenço da cabeça. Já havia chorado em casa no dia anterior, e não sei ao certo por que fui para a escola com tal lenço.
Os anos foram seguindo, vitórias eram conquistadas, e derrotas também estavam no caminho, umas mais traumáticas, outras menos. Recordo-me de chorar em casa e na escola após aquelas Libertadores em 1999 e 2000. A Copa do Brasil em 2001, após o terceiro gol do Grêmio (de novo o Grêmio), subi a escada de casa chorando, tirei minha camisa do Corinthians e a joguei no cesto de lavar roupas no banheiro, lancei o corpo na cama e chorei com a cara no travesseiro, de onde ouvia meu pai xingando os vizinhos rivales da janela da sala. Eu tinha certeza que o Corinthians conquistaria aquele título.
Até ao perdermos uma semi final de Paulistão para o Ituano, em 2002, jogando com o time reserva, após os títulos do Rio São Paulo e da Copa do Brasil, me pus a chorar. Foi um Paulistão estranho: times do interior jogando entre eles e os dois melhores dentre os ‘grandes’ no Rio São Paulo entrando para as semi finais. Ainda neste ano, mais lágrimas rolaram quando o Brasileirão passou por entre os dedos, encerrando o jejum do Santos.
Libertadores de 2003 e 2006, contra o River, motivos para choro intenso e pedidos para minha mãe de faltar na escola, o primeiro recusado, o segundo aceito. Até quando Roger derrubou a lua, e o técnico Passarela, isolando uma bola contra o Figueirense eu chorei – já conseguia distinguir o que era tristeza do que era ódio e raiva, e naquele dia foi um misto de raiva com chateação.
Quando chegou o rebaixamento, em 2007, meu pai abriu um vinho qualquer que tinha em casa, me deu um, dois, três copos, e nada da choradeira parar. Achei que nunca mais choraria em derrotas corinthianas, que aquilo era o limite e havia criado uma casca, bem rígida, em mim. Quando perdemos a final da Copa do Brasil de 2008 para o Sport, vi que não, e que isso seria algo para a vida inteira: assim que o juiz apitou o final do jogo, sai da sala onde estava com os colegas alvinegros, me sentei em um canto no quarto escuro e chorei, novamente.
Libertadores 2010, que foi uma das piores noites da minha vida, por conta de todo extra campo que ocorreu ali. Brasileirão 2010, o campeonato mais ganho desperdiçado pelo Corinthians também recebeu sua dose de lágrimas. Até quando perdemos para o Tolima, em 2011, a tristeza superou a raiva e eu fui às lágrimas, sozinho em meu apartamento. 
Aquele Paulistão de 2012, que para muitos foi uma ‘troca’ pelos títulos que vieram naquele ano, para mim foi só mais um domingo cinza pra ficar assistindo a chuva, e chorando. Contra o Boca, em 2013, o mesmo papo da Libertadores de 2010: era tanta desgraça ocorrendo na vida, que o choro foi um combo de tristezas, potencializadas por mais uma eliminação. 
Ontem, enfim, aconteceu o que eu havia previsto em 2007, e sobre o que eu havia entendido em 2006 e que eu não fazia ideia, em 1998, que poderia acontecer: eu não chorei. Não houve tristeza, não houve chateação que fizessem com que as lágrimas rolassem. Não havia motivos para chorar.
Algumas semanas atrás houve, quando saí de Itaquera após perder um Paulista para o Palmeiras. Um Paulista para o Palmeiras! Meu deus, foi em um paulista contra o Palmeiras que eu aprendi a me envolver com isso tudo, como menosprezar aquela derrota? Me sentia sem rumo após a partida, e ali ainda respirava raiva e tristeza, absorvidas sob a forma de lágrimas pela camiseta que eu tinha em mãos.

Ontem não, ontem só teve raiva, só teve ódio, só teve vergonha. Não teve choro algum, não teve motivação alguma em campo que merecesse lágrimas. E hoje consigo apenas repetir a frase que meu pai falava dezenove anos atrás: “vexame, timinho sem vergonha”, pois foi isso o que aconteceu.