terça-feira, 23 de dezembro de 2014

23 de Dezembro de 1998.


Na data do título deste texto fazia apenas três anos que eu me via como Corinthiano. Na verdade, eu não entendia ao certo o que 'ser Corinthiano' queria dizer. Eu assistia aos jogos pela TV (às vezes os ouvia pelo rádio) com meus pais, às vezes saía na rua com as duas ou três camisas que eu tinha, e era isso. Ser Corinthiano era dizer, na escola e no clube, "Corinthians" quando me perguntavam "pra que time você torce?". 

Mas então veio o ano de 1998. Lembro-me que após a derrota do Brasil para a França na Copa do Mundo o Corinthians venceu o primeiro jogo do Brasileirão, contra o Vasco, por um a zero, no Maracanã, e eu fiquei na janela de casa com minha bandeira na mão. Minha expectativa era de que houvesse festa na rua como eu havia visto em 6 dos 7 jogos do Brasil naquela Copa. Mas ela não ocorreu.
Chegamos nas semi finais, contra o Santos, e o gol do Gamarra, em plena Vila Belmiro, foi um dos primeiros que comemoramos em casa com o nosso cachorro Fluck, recém adotado, latindo desesperadamente entre nossos gritos, cornetadas e abraços. Até o Mundial de 2012, ele uivou conosco em muitos gols, conquistas e derrotas.
E então chegou o dia 23 de Dezembro de 1998. Lembro que chovia bastante em São Paulo naquela tarde, o Corinthians jogou a final contra o Cruzeiro e se sagrou campeão com um esplêndido 2x0. 
Quando o jogo acabou eu queria (por que queria) ir na 'praça' comemorar. A praça é o Largo da Matriz de Nossa Senhora do Ó, um ponto relevante quando pensamos na Freguesia do Ó (bairro em que cresci e moro, novamente, neste meu retorno a São Paulo).
Sempre soube (sobretudo após a Copa do Mundo) que era na 'Matriz' que os torcedores do bairro e da região iam comemorar os títulos, mas meus pais nunca haviam me levado lá. Até que naquele dia cederam aos meus pedidos, e me levaram lá, com uma série de condições, uma delas a de que veríamos tudo 'de longe'.
Meu pai e minha mãe foram comigo para a praça. Logo que chegamos lá nos deparamos com uma grande quantidade de torcedores, com bandeiras, fogos e batuques. Fechavam uma das ruas laterais à praça. 
Nós estávamos parados, assistindo à festa - não dava pra dizer que participávamos dela, visto a distância que estávamos da rapaziada - quando ocorreu uma situação que me marcou. 
Uma casa lateral à praça passava por obras, e a frente dela havia uma dessas caçambas para despejo de entulho. Alguns torcedores começaram a tirar e jogar na rua os entulhos que estavam dentro da caçamba. Meu pai, temeroso ao ver tijolos e pedras sendo tirados, orientou que nos afastássemos mais ainda. Assim que vazia, a caçamba foi virada por alguns torcedores que, em seguida, subiram nela. Do alto da caçamba, balançavam bandeiras e acendiam rojões. Houve um rapaz, ainda, que aproveitou a altura para amarrar uma bandeira do Corinthians na grade da janela da casa em obras.
Depois de um tempo por ali saímos, fomos ao shopping, vizinho ao estádio do rival, mas eu fui autorizado a continuar comemorando, e ir aquele shopping ainda vestido de minha camisa do Corinthians. 

Ontem esse momento completou 16 anos, e eu ainda me pego lembrando daqueles torcedores virando a caçamba, e como aquela pequena transgressão marcou minha trajetória na vida e, com certeza, influenciou minhas pequenas transgressões em títulos do Corinthians. Como aquela primeira festa, que eu vi mais de perto, me motivou a querer entender, tanto as pequenas transgressões, quanto as formas de torcer que este esporte maravilhoso que é o futebol movimenta. 


domingo, 31 de agosto de 2014

"Daria a vida a você, Timão".


No samba enredo de 2010 dos Gaviões da Fiel, intitulado "Corinthians... Minha vida, minha história, meu amor", um verso sempre me chamou a atenção: "daria a vida a você Timão, manter acesa a luz do lampião, pra te eternizar", e eu gostaria de refletir sobre ele neste Primeiro de Setembro de 2014, aniversário de 104 anos do glorioso Sport Club Corinthians Paulista. 
De que modo nós, Corinthianos do século 21, poderíamos dar a vida a você, Timão, e mantermos acesa a luz daquele lampião, da Rua dos Imigrantes? 

Me lembro de quando era garoto, e meu grande sonho (como de muitos garotos) era o de "ser jogador de futebol e jogar no Corinthians". Não tardei em perceber que isso não ocorreria, a grosseria de meus pés no trato com a bola impedia qualquer possibilidade disso acontecer.
Cresci, sigo crescendo. Dar a vida ao Corinthians com a bola nos pés não foi possível, então, vivo uma vida por ti Corinthians, uma vida por ti, Luz do Lampião, do modo que encontrei e acho correto.
Me formei cientista social, e, como dissera Menotti del Picchia à época da "Semana de 1922", "o Corinthians é um fenômeno sociológico a ser estudado em profundidade", eu estudo o Corinthians. Estudo Corinthianos e Corinthianas que dão a vida ao Corinthians do modo como lhes é possível (e às vezes até impossível): moldando todos os horários da semana para estar perto do time, frequentando o clube, perdendo um emprego em nome daquele jogo fora de casa, sendo sócio de uma organizada e lavando chão de sede (onde centenas de torcedores se encontrarão antes do jogo), escapando mais cedo do trabalho por que o horário do jogo é ingrato, deixando de ir aos jogos por que o ingresso está caro... Peraí!
É nesse instante que paro, neste dia de festa, 104 anos de Corinthians, e me viro ao Lampião (cuja luz me parece um tanto quanto fraca): "Corinthiano não consegue pagar ingresso pra ver o próprio time, naquela que é dita como 'sua casa' por que o preço do ingresso é absurdamente caro?".
Como dar a vida ao Corinthians, manter acesa a luz do lampião, te eternizar (!), se nem ao menos é possível te ver jogar?
Corinthiano, Corinthiana, lutemos! 
Lembremos da compra da primeira bola do clube, descrita belamente em uma revista Placar de 1988: "para se comprar a primeira bola, uma lista percorreu por todo o bairro, pois era necessário 6 mil-réis para se adquirir o principal instrumento do time. E muitos foram os que se privaram de um cafezinho, de um refresco, de uma passagem de bonde, para ajudar o clube. De níquel em níquel foi-se juntando o dinheiro".
Junte, não os seus trocados, esperando o dia em que eles alcancem as altas somas cobradas por um ingresso. Junte-se aos seus comparsas de arquibancada, companheiros de vitórias e derrotas. Junte-se ao espírito coletivo, que abria mão de uma passagem de bonde, de um cafezinho para que eles pudessem jogar bola, para que nós tivéssemos um Corinthians hoje! Junte-se na crítica ao Corinthians de hoje, junte-se na briga por um Corinthians verdadeiramente popular! 
Se podemos, em pleno 2014, "dar a vida a você, Timão, te eternizar", é usando nossas vozes, nossas forças, nossas redes sociais para retomar "a luz do lampião" - ela está fraca, mas, sabemos, somos tão fortes para reacende-la.
Parafraseando aquele já tão antigo manifesto, e o colocando em diálogo com as palavras de Miguel Battaglia: "Corinthianos de todo mundo, uni-vos, pois o Corinthians vai ser o time do povo, e o povo é quem vai fazer o time"!

Obrigado Corinthians! Parabéns Corinthianos! Parabéns Corinthianas! O Corinthians somos nós!
Vai Corintia!


domingo, 16 de março de 2014

Fotos: Arena Corinthians (15/03/2014).


Algumas imagens que registrei ontem (15/03) durante o primeiro treino do Corinthians na Arena e, depois, no churrasco organizado por torcedores em frente a mesma.





















segunda-feira, 10 de março de 2014

O autógrafo que foi lavado.


O ano era 1998 e o Corinthians havia se classificado para a final do Campeonato Paulista. Gamarra, Gilmar Fubá, Silvinho, Marcelinho Carioca e companhia iriam em busca do bicampeonato estadual contra o 5ão Paulo.
Nessa época eu já enchia os pacova do pessoal de casa com um desejo claro: “quero ir num jogo do Corinthians”. O fascínio por ter estado no Pacaembu em um jogo de Juniores em 1995 já havia passado, o papo de que “estádio é um lugar muito violento pra levar criança” não colava mais e eu queria porque queria (vejo hoje, com toda razão neste meu querer) ir em um jogo do Corinthians.
Nessa época, ainda, os treinos cotidianos dos jogadores profissionais do Corinthians eram realizados no estádio Alfredo Schuring, dentro do Parque São Jorge, e eram (descobriram os meus pais) abertos à torcida. O que, diga-se de passagem, permitia um contato muito mais estreito entre jogadores, sócios do clube e torcedores em geral – a quem será que interessa o refúgio em um centro de treinamento inacessível à sócios e torcida?
Meus pais, então, bolaram um plano, se organizaram e, não querendo (ou não podendo, não sei) me levar a um dos jogos da final, tapearam minha vontade me levando à Fazendinha para assistir ao treino do sábado, véspera do primeiro jogo da final.
Não tenho muitas lembranças do treinamento em si, só os jogadores correndo ao redor do gramado (quando o Gilmar fez um positivo pra mim), a chegada de alguma torcida organizada (com batuques e bandeiras) e um momento muito esperado: o fim do treino, quando os jogadores se aproximariam do alambrado para dar autógrafos aos torcedores.
Havíamos levado uma camisa que eu tinha (pirata, simples, que era o que cabia no bolso e na vontade de vestir uma camisa do Corinthians) com esse intuito, de recolher nela algumas assinaturas.
Nem todos ficavam para este momento, é importante dizer. Os que ficavam eram solícitos e atenciosos. Lembro-me de interromper uma conversa do zagueiro Cris com um rapaz que vestia camisa dos Gaviões da Fiel para lhe pedir um autógrafo em minha camisa – que não estava vestida, mas na mão, para passar pelo alambrado. Ele a pegou, autografou, me devolveu e voltou a conversar com o rapaz.
Lembro que havia um grande aglomerado de pessoas em uma região específica do alambrado, pois, do outro lado deste, Marcelinho Carioca concedia, sem pressas, autógrafos. Meu pai me posicionou em um local distante da muvuca, orientou que eu não saísse de lá por nada, e se enfiou no meio daquele mundaréu de gente (que nem deveria ser tão grande assim, mas que, aos olhos do Gabriel de 9 anos, parecia gigante), e retornou de lá um tempo depois, trazendo em mãos minha camisa com uma assinatura em azul ao lado do símbolo do clube: “Marcelinho”, se lia na assinatura.
Além do Cris e do Marcelinho, Vanderlei Luxemburgo, técnico da equipe, e Didi, que se não me falha a memória fez as vezes de “talismã” nalgumas partidas daquele ano, também colocaram seu nome em minha camisa.
Durante anos esta camisa ficou sumida. Depois de anos ela reapareceu. E durante um outro grupo de anos, ela me era um troféu, mostrava para amigos que iam em casa, falava sobre ela quando era oportuno (ou nem tão oportuno assim). Certa vez tentei enquadrá-la, mas não deu certo. E decidi por bem a guardar em uma caixa junto com outras tantas camisas do Corinthians que já não me servem mais – não sei o que vocês fazem com as camisas que ficam pequenas, eu guardo, vai que um dia vem uma nova geração para vesti-las...
Porém, o motivo da escrita deste texto não é enaltecer esta tão histórica – para mim – camisa, mas sim comentar sobre a perda do “supertrunfo” em seu peito.
Nas confusões eminentes da minha mais recente mudança (a saída de uma casa em Marília, para duas em São Paulo) ela foi colocada para lavar juntamente com outras peças de roupa. E então, aquele traço contínuo e fino, que formava em letra de mão corrida, a palavra “Marcelinho” se foi pelo ciclo de lavagem de uma moderna máquina de lavar e centrifugar roupas.
A materialidade que comprova que um dia Marcelinho Carioca (ídolo de minha infância, cujo modo de comemorar gols tantas vezes imitei para celebrar aqueles que eu marcava) pegou uma camisa minha em suas mãos e imprimiu sobre ela o seu nome, a sua assinatura, a sua marca, não mais existe.

Deste fato material restam apenas as lembranças inocentes de um garoto cujos pais faziam o que podiam (entre a escassez financeira e os típicos problemas domésticos) para contemplar suas vontades de ser Corinthiano.


quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

Naquela noite em que o meu coração parou.


Eu sei, não foi só o meu coração que parou. E, eu sei, essa metáfora só cai bem por que nossos corações pararam, e depois voltaram, explosivos, por ai.

Naquela época dividia a casa com um porco-não-praticante e um Corinthiano-ausente. O porco respeitava os momentos plenos de Corinthianismo que se faziam marcantes nas quartas, quintas, sábados e domingos daquela casa. O Corinthiano-ausente, esteve presente numa ou noutra destas situações.
Por se tratar do primeiro semestre de 2012 (havia omitido esse detalhe) sabemos: os momentos mais marcantes foram as noites de quarta feira. 
Foram 14 noites, 12 delas vividas nessa casa e na companhia do porco. E, na noite daquele segundo confronto contra o vasco, o meu, o seu, os nossos corações pararam quando o Alessandro deu todas as piadas envolvendo, até então, Corinthians e Libertadores, nos pés do Diego Souza, como quem diz: "vai lá Diego, faça essas piadas reinarem por mais um tempo".
Nesse momento, escorreguei do sofá para o chão da sala. Cássio desviou, e eu, aliviei. Respirado. Aliás, respirei aliviado. Escanteio pra eles e bola na trave.
"Créc", foi o som do coração parando. 
A pequena garrafa de cerveja foi deixada de lado. Esqueci que havia a opção de beber algo, ou mesmo que eu tinha boca pra beber, ou mesmo que eu tinha ou que eu existia. Eu só via.
Lembro, inclusive - e, sobretudo, com grande glória - do momento em que os caras vestindo um colete laranja por cima da roupa pularam as placas de propaganda e entraram no gramado e abraçaram o Paulinho.
Eu lembro que só entendi que o Corintias realmente havia marcado um gol, depois de alguns bons segundos da bola ter passado pelo goleiro deles e pelas traves e tocado as redes. Demorei pra entender. E demorei-me em gritar, aos berros, socando o chão duro de ardósia. E gritava para sentir que estava vivo novamente. E só fiz isso depois de ver os reservas entrando em campo.
Era uma noite fria, o corpo já estava aquecido em razão da cara cheia. Outro susto, no fim do jogo. Passou. Ufa.
"Vou pra rua".
O porco veio perguntar se tava tudo bem, se eu estava bem. "Vou pra rua". 
Ignorei o frio, ignorei qualquer destino que sabia devia seguir naquela noite, ignorei que havia uma manhã seguinte com obrigações e necessidade de presença noutro lugar. Abri a última cerveja da casa e fui pra rua. 
Ainda gritava, cantava, murmurava, berrava, um misto de tudo isso, não importa. 
Encontrei os pares Corinthianos já sentados nas cadeiras plásticas duma mesa plástica na calçada. Outros chegaram, a emoção era uma só. E todos (não eramos muitos) ainda estávamos eufóricos; e se não tinha chão de ardósia para socar, breves tapas na mesa absorviam a eletricidade ainda reinante em nossos corações recém parados e recém reativados.
"O bar vai fechar", "pô são paulino, desce a saidera pros Corintia ai, que que é isso".
"Não posso ir pra casa. Não agora, assim, desse jeito. Pelo Corintias, vou ficar na rua", resmunguei (certamente segurando o distintivo da camisa que eu vestia).
E fiquei, que nem aquela anedota, do macaco que vai de galho em galho, pra lá e pra cá. Eu nem imaginava que existiam fronhas do Corintias - depois descobri que havia também um kit de lençóis, mas isso foi depois - e então voltei pra casa. 
Chumbado, como a consciência do rapaz que perdeu o gol, que parou meu coração; extasiado, como a alma do rapaz que marcou o gol e reviveu meu coração. Caminhei para casa já acompanhado do sol nascente. Esquentei as mãos batendo uma contra a outra, marcando o ritmo para cantarolar a única melodia que podia ser cantada naquele amanhecer de bebedeira por ti Corintias: "salve o Corinthians, o campeão dos campeões...".


E foi assim que eu (sobre)vivi a noite do dia 23 de maio de 2012.